NEUSA MARIA
Mês da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha do Clã da Negritude, comemorado no dia 25 de julho, reforça a luta histórica das mulheres negras por sobrevivência em uma sociedade estruturalmente racista, misógina e machista – nos faz refletir sobre a vida dessas mulheres.
Neste mês de julho de 2022, escolhemos 25 mulheres negras que estão se destacando no fortalecimento da população negra em diversas áreas do saber, queremos que o mundo conheça suas histórias e que outras mulheres possam se espelhar e inspirar em suas lutas e experiências de vida.
Nossa entrevistada de hoje é Neusa Maria;
Breve apresentação: Psicóloga, especialista em saúde mental, gênero e direitos humanos, psicanalista ,fundadora do projeto Renascer contra a violência doméstica e coautora do projeto Eu Me protejo contra a violência na infância, conselheira do conselho distrital de igualdade racial, membra do CODIPIR, conselho distrital de igualdade racial, membra consultora da comissão de igualdade racial OAB DF. Escritora de livros infantis e de poesias com 5 livros publicados, artigos publicados, atua com a psicologia preta atendendo famílias de risco e vulnerabilidades sociais.
01. CN. O que significa o mês da mulher negra latino-americana e caribenha. Qual a importância para às mulheres negras?
Neusa Maria: A importância de legitimar a nossa história, a nossa luta e a nossa resistência. De se construir uma sociedade antirracista e enfrentar o racismo que até hoje continua enraizado em nossa sociedade.
02. CN. Em sua opinião o que é mais urgente para as mulheres negras?
Neusa Maria: O mais urgente é ser vistas como ser integral, ser respeitadas, ter acesso aos seus direitos, as políticas públicas, a sua história, acesso ao ensino superior, formação, inserção para que possam ocupar espaços de poder.
03. CN. Por que escolheu a psicologia como profissão?
Neusa Maria: Eu escolhi porque ser psicóloga faz parte de mim! Eu amo o meu trabalho e penso que foi a psicologia que me escolheu, eu não poderia ter outra profissão.
04. CN. A psicologia pode salvar o mundo? Em sua opinião todos(as) precisam se consultar com um(a) psicólogo(a)?
Neusa Maria: Apesar de vivermos em uma distopia, eu acredito em utopia. A psicologia traz a prevenção em saúde mental, e tudo é biopsicossocial, um problema social, desequilibra o psicológico e somatiza no corpo. Terapia é qualidade de vida e proporciona um desenvolvimento emocional saudável! Todos precisam de um psicólogo.
05. CN. O que te levou a trabalhar com a violência doméstica, qual é a sua relação com o tema?
Neusa Maria: Eu cresci em um contexto de violência, onde eu morava haviam várias mulheres em situação de violência, aquilo me chocava, e na época era como se fosse permitido, ninguém fazia nada, nem chamavam a polícia! A violência contra a mulher era normatizada. Eu sou filha de mãe solo, meu pai já havia morrido e eu ficava imaginando, se fosse a minha mãe, perdi alguns amigos por causa disso! Alguns não aguentaram a violência saíram de casa e foram assassinados nas ruas! Todas essas circunstâncias me levaram a trabalhar com a prevenção a violência doméstica.
06. CN. A violência doméstica um dia terá fim, justifique sua resposta?
Neusa Maria: A violência doméstica pode ter fim sim, é uma violência evitável! Precisamos desconstruir padrões de hegemonia masculinos, construções sociais, machismo, integrar as redes, querer mudanças, colocar dispositivos disponíveis, criar centro de referência a famílias, criar políticas públicas efetivas!
Como a violência doméstica é previsível, podemos detectar mecanismos que mediam e prevenir!
07. CN. Todo homem é um agressor em potencial?
Neusa Maria: Não! Claro que não! São, vários fatores! Neste contexto, a violência é multicausal, tem varias causas, também precisamos trabalhar a prevenção com os homens, todas essas construções sociais levam o homem a até mesmo um contexto de adoecimento, precisamos tirar o homem do contexto de agressão e colocá-lo em um contexto de proteção. Trabalhar a prevenção com os homens!
08. CN. As mulheres também cometem violência ? Se sim, qual a porcentagem ?
Neusa Maria: Eu nunca atendi mas a violência doméstica, não é domestica porque é o homem que comete, é doméstica porque acontece em ambiente intrafamiliar, desta forma podemos entender que as mulheres também cometem violência doméstica, mas não tenho nenhum dado oficial.
09. CN. O amor romântico pode ser um potencializador da violência doméstica?
Neusa Maria: Sim, na verdade eu penso que ele é uma parte pouco compreendida da nossa psique, até mesmo por causa da idealização do que é o amor, e de toda a sua subjetividade. Ao romantizar, vem a sensação de que o agressor vai mudar, por isso é perigoso! A mulher é agredida pelo homem ao qual ela projeta o seu amor!
10. CN. Como uma psicóloga que trabalha com violência doméstica consegue escrever história motivadoras para crianças?
Neusa Maria: Eu amo escrever! E através da literatura, eu consigo expressar a minha alegria de fazer dar certo! Todos os livros que publiquei foi através do meu trabalho de psicóloga! Uso o lúdico para trabalhar questões problemas, e as histórias infantis são ótimos instrumentos pra isso! Parafraseando Rubens Alves, a literatura também é um jogo de palavras pra fazer beleza.
11. CN. É possível ser uma criança normal em um ambiente de violento?
Neusa Maria: É difícil! Mas não é impossível! A violência doméstica impacta profundamente a vida das crianças, desencadeando vários tipos de adoecimentos, mas se a criança tiver acesso a uma rede de cuidados e proteção, é possível sim.
12. CN. Quando você se descobriu negra e como foi?
Neusa Maria: Eu sempre soube, sou filha de pai negro retinto e mãe indígena, meus tios todos são negros e negras retintas, a família da minha mãe também e como cresci em meio a crianças negras como eu, foi mais fácil de me identificar enquanto negra; ser negra é uma questão de raça, apesar de raça ser também uma construção social para criar hegemonia e relações de poder. Agora o preconceito e a discriminação racial eu descobri aos 7 anos em um passeio da escola, estávamos na fila de um brinquedo e o funcionário falou, “abre logo para esses neguinhos da Ceilândia, assim eles vão logo embora!”
13. CN. O que os seus livros infantis tem de diferente de outros do gênero?
Neusa Maria: A diferença é as minhas histórias são baseadas em fatos reais, e através da escrita eu consigo possibilitar a ressignificação.
14. CN. Qual dos seus livros é o seu predileto e por que?
Neusa Maria: A princesinha negra! É uma história que tem um valor afetivo único pra mim por causa de uma situação muito emocionante de uma criança negra, foi algo muito transformador enquanto pessoa, enquanto profissional.
15. CN. Quais são os sonhos e planos da Dra. Neuza Maria para o futuro?
Neusa Maria: São tantos, a gente não morre quando perde a vida! A gente morre, quando deixa de sonhar! Eu quero um dia ter uma casa de acolhimento para mulheres em situação de violência e gostaria que o meu protejo se tornasse políticas públicas, escrever um livro sobre psicologia.
16. CN. Cite três mulheres negras que te inspiram?
Neusa Maria: Carolina Maria de Jesus, Djamila Ribeiro, Carolina Maria de Jesus, Maria Firmina dos Reis. Pena que são só três, todas me inspiram!
17. CN. Que conselho você daria para uma jovem negra?
Neusa Maria: Seja sempre quem você é! Tenha orgulho de sua história sua ancestralidade e não tenha nunca medo de se reconhecer como uma mulher negra! Você é incrível, porque você é como você é!
18. CN. Nos indique três livros que mudaram a sua vida?
Neusa Maria: Quarto de despejo de Carolina Maria De Jesus
Quem tem medo do feminismo negro. Djamila Ribeiro
A escrava. Maria Firmina Dos Reis
Entrevista concedida por Neusa Maria ao Clã da Negritude. As perguntas foram feitas e respondidas por texto, formato virtual. 29 julho de 2022.
Lembrete: Os comentários não representam a opinião do Clã da Negritude; a responsabilidade é do autor da mensagem.
Parabéns, Neusa. Força aí na sua jornada!