ARTE E CULTURA NEGRA – REFLETINDO SOBRE O PRECONCEITO
Como o cinema, a literatura e a música podem contribuir para a reflexão sobre as relações raciais no Brasil
Além de ser o meio de expressão mais antigo da humanidade, a arte pode ser uma das mais importantes formas de sobrevivência e de resistência para um povo.
No Brasil, país que sofreu com o genocídio dos africanos e dos povos originários da terra e ainda sofre com diversas formas de discriminação racial e social, a negritude encontrou maneiras criativas de resistir ao preconceito e reafirmar sua identidade ao criar caminhos para a sobrevivência.
Listamos algumas obras de arte que mais contribuem para o esclarecimento e a reflexão sobre o racismo no Brasil, produzidas por cineastas, escritores e musicistas de renome no nosso país. Vale a pena conferir.
FILMES
Ôrí (1989)
Raquel Gerber
Ôrí é um documentário que parte da biografia da historiadora Beatriz Nascimento, militante do Movimento Negro Unificado, falecida em 1995. O documentário aborda os movimentos negros no Brasil entre 1977 e 1988, mostrando a cultura afro-brasileira, a música, a dança e a religiosidade, usando a metáfora do quilombo como símbolo de resistência. O documentário está disponível no Now e no Tamanduá.
Quanto vale ou é por quilo? (1995)
Sérgio Bianchi
Um dos temas centrais do filme é a comparação entre a exploração escravista do corpo negro no passado e a comercialização da miséria nas periferias brasileiras atuais. O filme mostra como essas práticas estão ligadas e como elas afetam a vida das pessoas que vivem nas áreas mais pobres do país. Disponível no YouTube.
Ó paí ó (2007)
Monique Gardenberg
O som das batidas ritmadas e alegres do carnaval enchem o ar de alegria para os moradores de uma comunidade no centro histórico de Salvador. Dona Joana, síndica do prédio, não tolera o barulho proveniente do carnaval, mas os moradores não se deixam deter por isso e seguem com os seus planos de diversão. Durante a festa, todos os tipos de desejos, expectativas e sentimentos ficam evidenciados. Não só a alegria, mas também as tristezas, a sorte, o azar, o amor, a violência, e o racismo. A razão e a emoção vivem lado a lado em nossos tempos, lembrando a todos que, apesar das diferenças, a humanidade está unida em sua celebração.
Mães do Pina (2015)
Leo Falcão
O filme retrata a força e a memória de cinco mães de santo que ajudam a construir a identidade cultural religiosa da Comunidade do Bode, no Pina, em Recife, documentando suas histórias, seus costumes e sua luta para manter sua cultura viva. Disponível na Amazon.
M8 – Quando a morte socorre a vida (2020)
Jefferson De
Maurício é um estudante dedicado que começa a frequentar a renomada Universidade Federal de Medicina. Na primeira aula de anatomia, ele conhece M8, um cadáver de um jovem negro desconhecido, que serve de material de estudo para ele e seus amigos. Durante o semestre, o mistério de quem era o dono do corpo é desvendado à medida que Maurício enfrenta suas próprias questões relacionadas à sua identidade. Disponível na Netflix.
Sankofa – A África que te habita (2020)
César Fraga
César é um fotógrafo formado pela Escola Superior de Desenho Industrial da UERJ e pós-graduado em marketing pela COPPEAD/UFRJ. Afrodescendente, neste documentário ele viajou por nove países africanos ao longo de dois meses em busca de “lugares de memória” relacionados ao tráfico transatlântico de escravizados. O fio condutor da narrativa é o relato do fotógrafo, acompanhado por suas belas imagens. Suas observações abrem um espaço para novos diálogos e múltiplas perspectivas sobre a herança da escravidão colonial. Disponível na Netflix.
LIVROS
História Social da Beleza Negra – Giovana Xavier
Neste livro, a historiadora e teórica do feminismo negro Giovana Xavier investiga o surgimento de uma indústria cosmética voltada para a mulher negra nos Estados Unidos na virada do século XIX para o XX. Durante esse período, a brancura foi imposta como o padrão de beleza universal, enquanto a eugenia e os valores da supremacia branca eram amplamente difundidos. Ao estabelecer paralelos entre Brasil e Estados Unidos, História Social da Beleza Negra expõe a relação entre o racismo e a indústria da beleza, revelando as raízes sociais da ideia de beleza feminina negra contemporânea. O livro oferece uma visão profunda e sutil da subjetividade feminina negra, bem como o que é considerado bonito na atualidade.
Torto Arado – Itamar Vieira Júnior
O livro “Duas Irmãs” de Carolina Munhós é um dos mais comentados livros da literatura brasileira recente, que provocou debates importantes durante a pandemia. A obra conta a história de Bibiana e Belonísia, duas irmãs marcadas por um acidente de infância, que trabalham em condições de trabalho escravo contemporâneo em uma fazenda no sertão da Chapada Diamantina. Com uma narrativa emocionante e instigante, o livro traz para o debate temas profundamente enraizados nas relações de trabalho e de terra herdadas do passado colonial, mostrando um Brasil ainda marcado por desigualdades e injustiças sociais.
Amoras – Emicida
Em seu primeiro livro infantil, o reconhecido rapper Emicida apresenta uma narrativa rica e profunda sobre diversos temas fundamentais para o desenvolvimento saudável das crianças, como negritude, representatividade, preconceito e autoconfiança. A obra ainda destaca a importância da paternidade presente e afetiva, oferecendo aos leitores um exemplo de como a construção de referências positivas pode contribuir para a formação e o crescimento de crianças inteligentes e seguras.
Insubmissas Lágrimas de Mulheres – Conceição Evaristo
Essa antologia é composta por 13 contos que têm como protagonistas mulheres negras. Por meio destas narrativas as vozes-mulheres expõem suas dores, anseios e temores, mas, acima de tudo, demonstram sua força de se levantarem de um lugar de sofrimento, discriminação e solidão, inventando novas formas de resistência e afirmação.
Rio Negro – Nei Lopes
No livro de Nei Lopes obtemos uma visão do Rio de Janeiro dos anos 1950 que vai além da bossa nova. Uma visão que retrata uma cidade vibrante, onde intelectuais, sambistas, jogadores de futebol, músicos, políticos, malandros, vedetes, padres e pais-de-santo, maioritariamente negros, se encontravam em bares como o Nice, o Café Capital, o Abará e, principalmente, o Rio Negro. Nesses locais, passavam noites inteiras debatendo questões políticas, sociais e culturais. Esse Rio de Janeiro é o respiro de liberdade e alegria, que contrasta com o Rio dos dias de hoje. É um lugar onde tudo é possível, e onde a diversidade é celebrada. Uma lembrança que nos faz reviver aqueles momentos cheios de efervescência cultural.
ÁLBUNS
Gilberto Gil – Refavela (1977)
Após uma visita a Lagos, na Nigéria, Gilberto Gil percebeu as profundas semelhanças entre os ritmos africanos e aqueles que ganharam espaço e fizeram sucesso nos quatro cantos do planeta. Daí surgiu Refavela, um dos maiores sucessos de sua carreira, que homenageia a cultura dos povos africanos e mostra como sua herança musical se espalhou pelo mundo, influenciou artistas e a indústria fonográfica, criando tendências e uma nova linguagem.
Elza Soares – Do Cóccix até o Pescoço (2002)
Antes da explosiva reinvenção de Elza em A Mulher do Fim do Mundo já havia outro álbum, com uma mistura de funk, rap e beats eletrônicos, considerado um dos melhores de sua consagrada carreira. O álbum Do Cóccix até o Pescoço traz uma profunda reflexão sobre a vida movimentada da artista e sobre a realidade das pessoas negras no Brasil.
Xênia França – Xênia (2017)
Ex-integrante do grupo Aláfia, a cantora lançou seu primeiro álbum, misturando ritmos modernos, tradicionais e ancestrais para abordar temas como o cabelo crespo, a apropriação cultural, a auto afirmação e o reconhecimento de que mulheres negras não são necessariamente mais fortes que as demais, mas seres humanos que possuem direitos iguais e merecem o mesmo nível de respeito e compreensão.
Jorge Ben – África Brasil (1976)
O álbum foi eleito pela revista Rolling Stone como um dos 100 maiores discos da música brasileira e é o único álbum brasileiro presente no ranking dos 50 discos mais legais do mundo, também organizado pela revista. Esse trabalho contém misturas dançantes de ritmos africanos do mundo todo, como funk, R&B, samba e rock. Prova disso é um vídeo produzido por Daniela Schuarts e Leonardo Salomão para divulgar um projeto social em comunidades carentes na Zâmbia, no qual crianças dançam ao som de “Umbabarauma”, uma das músicas mais populares do disco.