CINTIA DE SOUSA RODRIGUES

Mês da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha do Clã da Negritude, comemorado no dia 25 de julho, reforça a luta histórica das mulheres negras por sobrevivência em uma sociedade estruturalmente racista, misógina e machista – nos faz refletir sobre a vida dessas mulheres.

Neste mês de julho de 2022, escolhemos 25 mulheres negras que estão se destacando no fortalecimento da população negra em diversas áreas do saber, queremos que o mundo conheça suas histórias e que outras mulheres possam se espelhar e inspirar em suas lutas e experiências de vida.

Nossa entrevistada de hoje é Cintia de Sousa Rodrigues;

Profissional com experiência na cadeia produtiva de alimentos. Área de qualidade: Implantação da NBR ISO 22000/2006, Implantação de PCAL, Aplicação de capacitação – treinamento, Aplicação de BPF; PVPS; 5S e Chek List, Confecção de rótulos POP e Manual de BPF, Implantação de APPCC e gerenciamento dos processos produção. Melhoria contínua (considerando os recursos disponíveis). Elaboração de ferramentas para controle de produção e qualidade.

O Clã da Negritude para mim foi um divisor de águas. Encontrei amigos que partilham das mesmas buscas, experiências, dores, dúvidas o Clã me alimenta e me fortalece.

Cintia Rodrigues

01. CN. O que significa o mês da mulher negra latino-americana e caribenha. Qual a importância para às mulheres negras?
Cintia Rodrigues: Pulverizar. Ocupar. Palavras estas que melhores se adequam a este dia e a nós mulheres negras, que, durante muito tempo permanecemos invisíveis a sociedade. Sendo que mesmo com esta invisibilidade seguimos ocupando e permanecendo nos lugares mesmo sem sermos notadas. A data significa reconhecimento, incentivo, direcionamento.
Um recado: Estamos e Somos.      

Cintia Rodrigues: No cabelereiro, ano de 2021


02. CN. Em sua opinião as campanhas do mês da mulher negra latino-americana e caribenha são adequadas?
Cintia Rodrigues: Sim. São adequadas, somente as vejo como tímidas, ainda, estão tomando identidade aos poucos de maneira singela. Há uns anos, pouco se sabia ou nem se ouvia falar sobre este dia tão importante. Que este dia seja cada vez mais disseminado e com iniciativas como esta do Clã da Negritude, ousadas.

03. CN. Em sua opinião o que é mais urgente para as mulheres negras?
Cintia Rodrigues: Visibilidade, sem dúvida alguma.  Olhar e ouvir esta mulher seja qual for o papel em que ela escolheu permanecer.  

Cintia Rodrigues: Visita ao zoológico com meus pais e minha irmã, ano de 1980.

04. CN.  Como você descreve a sua profissão?
Cintia Rodrigues: Minha profissão: Garantir o consumo de um alimento seguro, livre de contaminante.

05. CN.  Quais são as principais dificuldades que as mulheres e você encontrou no exercício de sua profissão?
Cintia Rodrigues: Acreditar em si mesma. Ter a certeza de que estou pronta e que todas as respostas que preciso sou capaz de achá-las. Sempre investi em conhecimento. Não deveria ser tão difícil aplicar o aprendido, mas, quando falamos de uma sociedade machista e racista, ser carregada de conhecimento não basta é preciso, segurança, confiança, perseverança, pois, sabemos que não somos recebidos para ficarmos … adianto que não foi tão simples chegar nesta conclusão, pois, o conhecimento estava em mim, mas, como utilizá-lo? E em que momento? Confesso que precisei de ajuda profissional para que eu tivesse a segurança necessária. Aliás, recomendo. Precisamos de uma rede apoio, amigos, religião, atividade física, professores, mas, além de todos eles precisei investir em um psicólogo, para mim foi crucial. Além de contar com um trabalho de mentoria de carreira também.
O Clã da Negritude conta com uma rede de psicólogos empenhados e comprometidos que fizeram a diferença na minha jornada.

6. CN.  O que te levou a voltar/ir para a universidade depois de longos anos de prática profissional?
Cintia Rodrigues: O Exército pode passar cem anos sem ser usado, mas não pode passar um minuto sem estar preparado.  (Rui Barbosa).
É quase que um truísmo (máxima) dizer que vivemos em uma sociedade em que nós negros ainda somos preteridos pelos brancos, não estar preparados é no mínimo ingênuo. Não podemos contar com a sorte, pois, é evidente que a “sorte” por si só, não faz parte do dia a dia dos negros, aqueles que ousam dizer que a encontrou, pode ter certeza de que, sem dúvida alguma, foi a Oportunidade + Preparo.

Cintia Rodrigues: Primeira Viagem para fora do Brasil, ano de 2020

07. CN. Em sua opinião a família é uma instituição falida ou de muito sucesso?
Cintia Rodrigues
: A Família é e sempre foi uma instituição de Sucesso.  Não vivemos sozinhos, podemos estar sozinhos, mas não somos sozinhos, precisamos uns dos outros e aprendemos a ajudar e precisar, quando exercitamos o convívio familiar.

08. CN. Quais são seus principais medos profissionais?
Cintia Rodrigues: O meu maior medo é estagnar na carreira. Em todas as áreas é importante a reciclagem o aprimoramento, a atualização profissional. Vivemos em constante mudança no mundo e não continuar investindo na carreira significa “parar” profissionalmente interromper o ciclo iniciado e deixar todo o investimento dispensando.

Cintia Rodrigues: Soube que havia sido aprovada na FATEC. Janeiro de 2020.

09. CN. Qual é a importância de participar de coletivos negros, como o Clã da Negritude e outros que existem?
Cintia Rodrigues: O Clã da Negritude para mim foi um divisor de águas. Encontrei amigos que partilham das mesmas buscas, experiências, dores, dúvidas o Clã me alimenta e me fortalece.

10. CN. Em sua opinião, o que as mulheres negras estão fazendo algo equivocado e/ou que poderia melhorar?
Cintia Rodrigues: Não chamaria de erro, talvez equívoco.
De um modo geral nós mulheres fomos educadadas para nos calarmos, ouvir, aceitar sem manifestar opiniaõ, e isso fazemos umas com as outras também, nós, mulheres negras, ainda mais, pois, infelizmente, nem sempe nosso passado, vem com nossas histórias. Precisamos falar mais entre nós e para nós, descobriremos que não estamos sós e que, muitas vezes, a nossa dor já curada é a dor da outra mulher que também precisa desta cura, ou aquilo que ainda não nos curamos pode ser “medicado” pela dor já curada de uma outra mulher. Precisamos precisar umas das outras, isso pode nos curar.

11. CN. “A solidão da mulher negra” é um tema importante para às mulheres, se sim, por que?
Cintia Rodrigues: Sim é importante. Confesso que é um tema que não me deixa muito a vontade em responder, embora seja necessário. O motivo é que na maioria das vezes em que presencie a discussão do tema em alguns espaços percebi um certo “asco” de alguns homens, talvez por desconhecer o tema ou não saber lidar, mesmo, o sendo real, presente, vivo, mas, ainda é visto por algumas pessoas como “frescura”, “mimimi” etc.
Quando pensamos na mulher negra ao longo da nossa história, nos vem a cuidadora, o que nos remete a mulher forte, guerreira, que não sente dor, que enfrenta tudo, que é escudo, e, talvez, por consequência, é capaz de ser sozinha. Quem se preocupa com esta mulher? Há quem afirme: “Ela se basta por si só”.  “Ela é forte”.
Sobre as matriarcas de nossas famílias, o que sabemos de suas histórias? Onde estavam nossas tatáravós, nossas bisavós, nossas mães? A maioria delas cuidaram dos filhos de alguém, cozinharam, lavaram, costuravam, arrumaram, organizaram… Não tiveram escolhas entre fazer o que queriam, ou casar-se, por exemplo. Se eu contar a história de uma apenas, das minhas antecessoras certamente haverá alguém, sem grau de parentesco algum comigo, com a história idêntica a minha e assim sucessivamente. Falar da “solidão da mulher negra” é falar da falta de escolha, falta de opções, imposição, preterimento…
É saber que quando quiser receber flores… Cultive seu próprio jardim e as apanhe no tempo colheita. 

12. CN. Como é ser uma mulher negra na em São Paulo?
Cintia Rodrigues: É acordar todos os dias e dizer que sou capaz do que eu quiser e que posso ser quem eu quiser. Mesmo e apesar dos olhares, atitudes e ações tentarem me mostrar que não posso, não devo ou não consigo.

13. CN. Existe alguma coisa que você gostaria de dizer e que nunca lhe foi perguntado?
Cintia Rodrigues: Quais as mulheres me impulsionam?
Três mulheres:
Dona Maria Eugênia, minha avó materna. Com ela entendi o “resistir” em seu verdadeiro sentido etimológico.
– Não ceder ao choque de outro corpo; – Conservar-se firme; – Não sucumbir; – Não ceder.
Maria Aparecida, minha mãe. Quando criança não frequentou a escola somente aprendeu a ler e escrever sob palmatória. Ela veio terminar o ensino médio depois que eu e meus irmãos já eramos adultos. E este movimento alterou a trajetória sócio-economica da nossa família. 
Nany, minha irmã, a mulher mais resiliente e determinada que já conheci em nossa contemporaneidade.

Cintia Rodrigues: Entrevista no jornal o Estado de São Paulo, ano de 2020

(…) a nossa dor já curada é a dor da outra mulher que também precisa desta cura.

Cintia Rodrigues

14. CN. Quais são os sonhos e planos da Cintia Rodrigues para o futuro?
Cintia Rodrigues
: Iniciar o mestrado. E em futuro próximo além de exercer a profissão atual, voltar a ministrar aulas. Com métodos pedagógicos mais modernos.

15. CN. Nos indique três livros que mudaram a sua vida?
Cintia Rodrigues:
1- Garra: O Poder Da Paixão E Da Perseverança, Angela Duckworth;
2- A hora da estrela, de Clarisse Lispector;
3- Inteligência Emocional, Daniel Goleman.

Entrevista concedida por Cintia de Sousa Rodrigues ao Clã da Negritude. As perguntas foram feitas e respondidas por texto, formato virtual. 22 julho de 2022.

Lembrete: Os comentários não representam a opinião do Clã da Negritude; a responsabilidade é do autor da mensagem.

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