MULHERES NEGRAS NA POLÍTICA: REPRESENTATIVIDADE E LUTA
A ocupação dos postos de representatividade política constitui uma faceta importante das lutas por respeito e por dignidade. Assim, é fundamental que cada vez mais mulheres se engajem nos pleitos eleitorais para favorecer as batalhas empreendidas por grupos oprimidos na desigual estrutura da sociedade brasileira. Infelizmente, mulheres, negros e negras, indígenas, e outros grupos considerados minoritários vem se fazendo presentes, de forma muito tímida, nos cenários eleitorais.
Essa realidade precisa ser revertida urgentemente para que as transformações que a sociedade precisa ver sejam levadas a termo pelo poder público. Nas últimas eleições presenciamos um fato interessante: algumas mulheres negras e indígenas se destacaram nesse cenário. Estaremos diante do descortinar de uma nova epistemologia inclusiva?
Vejamos o caso da estudante negra da classe trabalhadora, uma guerreira forjada nas lutas do Movimento Estudantil. Dandara Tonantzin subiu a rampa do Palácio do Planalto no dia 01 de fevereiro desse ano para tomar posse como Deputada Federal eleita pelo Partido dos Trabalhadores. Ao lado dessa menina que cresceu na periferia da cidade de Uberlândia subiram mulheres pretas do país inteiro.
Somos adolescentes, estudantes, trabalhadoras domésticas, vendedoras, enfermeiras, professoras, escriturárias, caixas de supermercado, manicures, atendentes de telemarketing, trancistas, rappers, slamers, dançarinas, militantes, enfim… Mulheres e meninas negras de diferentes ramos de atuação profissional que nos sentimos representadas e reconhecidas. Sentimo-nos vitoriosas e empoderadas com a posse da Dandara!
Temos toda a razão de estarmos nos sentindo assim. A trajetória dessa garota prodígio realmente faz as mulheres pretas se sentirem empoderadas. Sua história de lutas e de vitórias se mistura, de certa forma, com a história do partido político que ela conheceu ainda criança.
O Partido dos Trabalhadores, maior partido de esquerda da América Latina, completou nesse mês de fevereiro, 43 anos. Um partido popular que teve sua gênese nas lutas de trabalhadores e de estudantes. A pequena Dandara acompanhava, ora nos braços do pai ora nos braços da mãe, as atividades desse partido que ousou incomodar os poderosos. E, com sua militância engajada, entrou para a história ao eleger o primeiro operário presidente e a primeira mulher presidenta da república.
Nesse ambiente, Dandara aprendeu, desde muito cedo, a expressar indignação contra as injustiças do mundo e a lutar por seus sonhos de construir uma vida melhor para si e para todo o povo brasileiro. Por isso, ela assumiu a responsabilidade de ajudar a conquistar respeito e valorização para as mulheres, para o povo preto, para a juventude, para a população LGBTQIA+ e para toda a classe trabalhadora desse país.
Ainda a respeito da influência do partido em sua vida, a moça declarou, recentemente, em suas redes sociais: “Tenho muito orgulho de ser parte dessa história! Meus pais, seu Lusmiro e dona Cristiane, petistas em toda a sua essência, me geraram e me criaram dentro de todas as lutas do partido. Tenho muito orgulho de crescer e permanecer como parte dessa história!”.
Dandara sempre enfrentou com coragem o desafio de ser uma mulher preta lutando para ser respeitada em uma sociedade preconceituosa. Algum tempo antes de se eleger a vereadora mais votada de Uberlândia, ela foi vítima de um grupo de rapazes – playboys universitários – que arrancaram seu turbante em uma festa de formatura e lhe jogaram cerveja no rosto.
Ela não aceitou o ultraje e entrou na justiça pedindo reparação. O juiz tolerou a atitude dos garotos e não tomou providências para puni-los. Ainda assim, Dandara não se calou, fez denúncias, foi até o programa da jornalista Fátima Bernardes, na Rede Globo de Televisão, e expôs o desrespeito religioso, étnico e de gênero. Clamou por justiça e denunciou o descaso diante da agressão sofrida.
O fato acorreu em uma festa na cidade de Uberlândia. Formatura de uma das turmas do curso de Engenharia da Universidade Federal de Uberlândia/UFU. A sociedade uberlandense teve oportunidade de mostrar que, no geral, é machista, é racista e é intolerante porque não houve nenhum tipo de manifestação ou protesto. O caso passou em brancas nuvens e, no final, ninguém foi punido.
O desenrolar dos acontecimentos, entretanto, trouxe para a jovem a reparação que a justiça havia negado. O povo da cidade de Uberlândia a honrou, nas urnas, confiando-lhe 5.237 votos que a tornaram a vereadora mais bem votada da cidade, no processo eleitoral de 2020.
A jovem pedagoga fez jus à confiança nela depositada e trabalhou incansavelmente para melhorar as condições de vida na cidade, principalmente em prol da população periférica. Defendeu jovens, mulheres, trabalhadores, e moradores de rua. Ela mostrou que não faz acepção de pessoas e realizou um excelente mandato.
Enfrentou ameaças, ataques preconceituosos e xingamentos. Como já era de se esperar, os setores mais retrógrados da sociedade uberlandense que ainda carrega um forte ranço das oligarquias rurais deu o seu recado de forma ruidosa e ofensiva. Mas, a vereadora soube ser superior a todos esses ataques e seguiu desenvolvendo seu trabalho com garra e determinação. O resultado de tudo isso veio logo em seguida.
No ano de 2022, foi eleita Deputada Federal por Minas Gerais com 86.034 votos. Logo depois da posse, Dandara tomou providências para que mulheres não fiquem mais tão à mercê das violências perpetradas pelo machismo. Ela criou um projeto lei para coibir desrespeitos e agressões contra as mulheres, em casas de eventos noturnos. Um lembrete aos “trogloditas” de que “Não é Não”.
A Deputada Federal Dandara Tonantzin Silva Castro é pedagoga e mestra em Educação. Uma jovem intelectual que, com apenas 29 anos, já conquistou o direito de representar institucionalmente o nosso povo preto. Legítima representante das mulheres negras, das mulheres periféricas e da juventude, ela não mede esforços nas lutas contra o racismo estrutural e institucional e contra todos os tipos de preconceitos.
A trajetória de sucesso na política dessa jovem intelectual negra brasileira nos faz refletir também sobre a importância do voto feminino. Necessário lembrar que a conquista das mulheres pelo direito ao voto completou 91 anos nesse mês de fevereiro. Por isso é fundamental celebrar as vitórias femininas, principalmente as vitórias das mulheres negras.
Se há cem anos, nem o direito ao voto feminino era reconhecido, hoje, nós mulheres negras, mostramos o nosso poder como cidadãs combatendo, com o voto, as ofensas e as humilhações que repudiamos. Mesmo que queiram nos amordaçar, nos matar, nos silenciar e nos desvalorizar, nós nos levantamos e elegemos as nossas representantes.
Para nós, mulheres negras, periféricas e trabalhadoras, representatividade importa sim e muito. Parabenizamos a Deputada Dandara Tonantzin e todas as mulheres eleitas, sobretudo aquelas dos segmentos mais oprimidos da sociedade, como é o caso das negras, indígenas, mulheres trans e mulheres ciganas, entre outras. Cientes do poder do voto como instrumento de transformação social e política, continuaremos honrando as nossas representantes.
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