“Se Leonardo dá vinte, por que é que eu não posso dar dois?” – Bezerra da Silva

Há muito tempo, Bezerra da Silva, grande cronista musical das mazelas sociais brasileiras, já denunciava as desigualdades raciais e os diferentes tratamentos dispensados a brancos e não brancos em nosso país. Hoje, ao ler a matéria do jornal O Globo, de 29 de maio de 2025, veio-me à memória a importante reunião realizada pela diretoria da ANAN no último 15 de abril, com o presidente da OAB/SP, Dr. Leonardo Sica.

Na ocasião, propusemos a construção de três listas para o preenchimento das vagas do Quinto Constitucional, cuja formação se dará ainda neste ano. Nossa sugestão contemplava: uma lista com mulheres não negras, outra com homens não negros, e uma terceira composta exclusivamente por mulheres e homens negros. Embora, numericamente, a advocacia negra estivesse em desvantagem, compreendíamos que, após mais de 500 anos de marginalização, esse pequeno desequilíbrio seria uma concessão aceitável para avançarmos em direção à justiça racial.

“se não assegurarmos, desde já, o direito de pessoas negras integrarem listas próprias, passaremos mais trezentos anos sem que um único advogado ou advogada negra alcance o cargo de desembargador pelo Quinto Constitucional.”

Estevão Silva

Contudo, a proposta foi considerada inviável pelo presidente da seccional, que elencou diversos entraves legais e institucionais: dificuldades no Conselho da OAB, resistência do Tribunal e possível recusa por parte do Executivo estadual. Embora compreensíveis do ponto de vista técnico, tais objeções escancaram a fragilidade dos compromissos institucionais com a promoção da equidade racial. Como já disse Tom Jobim, “o Brasil não é para amadores” – e de fato, o que desejamos é que, ao menos, o país caminhe para ser apenas desigual, o que já seria um avanço diante das desigualdades estruturais que nos atravessam.

A recente aprovação, no STF, do requerimento da Ministra Cármen Lúcia, que como de costume é muito correta e sábia em suas falas – para a formação de uma lista exclusiva de mulheres ao Tribunal Superior Eleitoral, mostra que a ANAN estava no caminho certo ao propor uma lista exclusiva para pessoas negras. Se não há impedimento constitucional ou legal para uma lista só de mulheres, por que haveria para uma lista só de negros? Estaríamos, porventura, diante da necessidade de reconceituar a própria noção de igualdade?


A justificativa da Ministra é clara e contundente: “Se não tivéssemos a oportunidade de termos uma lista de homens e uma de mulheres, em 2026 teríamos no TSE os sete cargos providos por homens.” A lógica se aplica integralmente ao nosso pleito: se não assegurarmos, desde já, o direito de pessoas negras integrarem listas próprias, passaremos mais trezentos anos sem que um único advogado ou advogada negra alcance o cargo de desembargador pelo Quinto Constitucional, mantendo, assim, a composição dos tribunais majoritariamente branca e elitizada.

A ANAN, como entidade que reúne advogados e advogadas negras de todo o país, jamais se furtará ao dever de denunciar injustiças, apontar equívocos institucionais e lutar por reparação histórica. Mais do que um coletivo jurídico, somos a última trincheira entre a barbárie e a justiça. E não descansaremos enquanto o sistema não refletir, em sua composição, o povo que deveria representar.

Matéria completa:
https://s.migalhas.com.br/S/6E4043



Estevão Silva
Advogado, Mestre em Direito Médico, Especialista em Relações Etnicos Raciais.
Presidente da ANAN.
Diretor do Clã da Negritude.
e-mail: estevaoas@hotmail.com
instagram: @estevaoasilva
Tel. (11) 968332272

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