A QUEM CONVÉM OS ENREDOS AFRO NO CARNAVAL DO BRASIL

 “Foi então que uns brancos muito legais convidaram a gente prá uma festa deles, dizendo que era prá gente também. Negócio de livro sobre a gente, a gente foi muito bem recebido e tratado com toda consideração[1]”. Levantamento realizado pela Alma Preta Jornalismo fez uma análise das escolas dos grupos especiais de São Paulo e Rio de Janeiro, concluindo que no Carnaval deste ano, a maioria das escolas de samba com enredo afro foi produzida exclusivamente por carnavalescos brancos.

Segundo o levantamento, em São Paulo, das 14 escolas que se apresentaram pelo grupo especial, seis abordaram temáticas relacionadas à identidade ou cultura afro-brasileira, sendo que desse total, quatro carnavalescos foram identificados como brancos. No Rio de Janeiro, das 12 escolas do grupo especial, sete terão enredo afro ou com homenagem às personalidades negras do samba. Ainda, em relação aos carnavalescos, cinco escolas foram produzidas exclusivamente por pessoas brancas. Já outras duas escolas foram produzidas por carnavalescos identificados como brancos e negros.

No trecho da epígrafe do artigo “Racismo e sexismo na cultura brasileira” (1983), que inicia nosso texto, Lélia Gonzalez (1983) já ironizava a condição de meros “objetos de pesquisa” imposta aos sujeitos negros por pesquisadores brancos, nos levando a refletir, diante do levantamento apresentado, que nada (ou muito pouco) mudou.

O cenário apresentado no Carnaval de 2023 nos leva a refletir que os corpos outrora escravizados e a cultura por séculos invizibilizada (e demonizada) ganham roupagem contemporânea para sustentar o pacto da branquitude não em prol da reparação ou da promoção de igualdade racial ou erradicação do racismo.

Exemplo disso foi a postura racista do presidente da X9 Paulistana, Mestre Adamastor, que pediu para que todos levantassem a mão e fechassem o punho — símbolo de resistência do movimento negro – e em seguida, afirmou que o gesto não significava “porra nenhuma”.

O mesmo racismo estruturante que diariamente priva negros e negras do protagonismo nos mais variados espaços, que faz da afroconveniência instrumento de fraude a cotas raciais, que demoniza cultos de matriz africana, que absolve sumariamente racistas é o que transforma a cultura e corpos afrodescendentes em atração cultural.

A quem convém tal contradição epistemológica? O que nos dizem os lugares que ocupamos… na sociedade… nas escolas de sambas ?!

Certamente, é extremamente necessário dar visibilidade a ancestralidade e a verdadeira história, porém não podemos nos furtar da realidade romantizando atos simbólicos que perpetuam a cultura do silenciamento e nos diz que podemos até interpretar, mas narrar nossa própria história …humm…melhor não…

Basta! Não há quem saiba mais de nós do que nós mesmos!

 


[1] “Racismo e sexismo na cultura brasileira” (1983), apresentado na Reunião do Grupo de Trabalho “Temas e Problemas da População Negra no Brasil”, IV Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais, Rio de Janeiro, 29 a 31 de Outubro de 1980

Dra. Caroline Caetano.
Advogada. Especialista em direito constitucional. Presidente da Comissão de Promoção de Igualdade OABMA. Presidente da CEMMANO – Associação Nacional da Advocacia Negra – ANAN.

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