ESTEFANE MORAES DOS SANTOS

Mês da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha do Clã da Negritude, comemorado no dia 25 de julho, reforça a luta histórica das mulheres negras por sobrevivência em uma sociedade estruturalmente racista, misógina e machista – nos faz refletir sobre a vida dessas mulheres.

Neste mês de julho de 2022, escolhemos 25 mulheres negras que estão se destacando no fortalecimento da população negra em diversas áreas do saber, queremos que o mundo conheça suas histórias e que outras mulheres possam se espelhar e inspirar em suas lutas e experiências de vida.

Nossa entrevistada de hoje é a Estefane Moraes dos Santos;

Breve apresentação:

Diria que eu sou uma mulher negra muito curiosa, com sonho de uma sociedade igualitária e inclusiva. Sou extremamente crítica social, acredito que nada da nossa vida ocorre fora do contexto social de mais de 521 anos de uma sociedade racista. A vida de indivíduos negros é extremamente marcada pelas opressões. Gosto de falar, de escrever, de ouvir e ler. Acredito que como observadores sociais sempre aprendemos.

É lembrarmos que a institucionalização desse dia nos lembra que  resistência de mulheres negras existe a muito séculos, tentando minimizar e extinguir as violências de gênero e raça.

Estefane Moraes

01. CN. O que significa o mês da mulher negra latino-americana e caribenha. Qual a importância para às mulheres negras?
Estefane Moraes:  O julho das pretas, mês das pretas, dia internacional  da mulher negra latino-americana e caribenha e dia nacional de Tereza de Benguela e da mulher negra nos escancara aquilo que todas nós mulheres negras vivemos todos os dias. Somos mulheres e negras, sofremos violência de raça e de gênero. Os piores índices sociais nos atinge em função de uma sociedade misógina, racista e machista. Institucionalizar um dia e um mês paras mulheres negras é lembrar das que vieram antes significa que estamos trilhando um caminho de igualdade paritária de raça e gênero. É lembrar que mulheres pretas sustentam esse país em arte, em historia , em cultura e nas mais diferentes manifestações sociais, principalmente de luta. Mulheres pretas impactam o meio social e politico em que vivemos.

02. CN. Em sua opinião as campanhas do mês da mulher negra latino-americana e caribenha cumprem seus objetivos?
Estefane Moraes: Sim, mas sempre podendo melhorar. Trazemos as dores e as alegrias de sermos mulheres negras. É o mês de estarmos entre as nossas, não que o resto do ano não seja, mas é o momento de celebrarmos, escancararmos o caminho árduo que percorremos e ainda iremos percorrer. É mostrar nossos trabalhos, nossas intelectualidades, nossas vivências, amores e felicidades. É lembrarmos que a institucionalização desse dia nos lembra que  resistência de mulheres negras existe a muito séculos, tentando minimizar e extinguir as violências de gênero e raça. É sempre nos lembrarmos do impacto social e político que as mulheres negras representam.

03. CN. Em sua opinião o que é mais urgente para as mulheres negras?
Estefane Moraes: Acabar com todos os estereótipos falaciosos  sobre o corpo e mente da mulher negra. Acabar com a violência de gênero e de raça. Não somos lascivas, não somos burras , nosso corpo por ser preto não merece ser violado. Precisamos coibir todo tipo de preconceitos e violências. Principalmente o feminicídio, somos as mulheres que mais morrem.

Foto de pré-formatura da faculdade de direito: Outubro de 2020


04. CN. Quando você se descobriu uma mulher negra?
Estefane Moraes: Foi um caminho longo, árduo e doloroso. Mas infelizmente veio muito cedo, me entender como mulher negra veio a cada violência racial pelo meu cabelo, minha cor e meu nariz. A vontade de ter uma franja lisa, que veio aos 23 anos, não lisa, cacheada e crespa, mas uma franja maravilhosa. A descoberta sempre existiu, a consciência  veio tarde, consciência social quanto ao meu lugar e dever social quanto mulher negra. A dor de uma é a dor de todas. Em algum momento a violência de raça e de gênero nos atinge conjuntamente ou separado e isso desde o nascimento.

05. CN. Por que você escolheu a faculdade de direito?
Estefane Moraes: A vontade de ajudar o próximo. De ajudar o outro. Uma sede sem fim por mudanças sociais. A vontade enfrentar o sistema, as vezes desanima, mas desistir, jamais.

05. CN.  Quais foram as principais dificuldades que encontrou na graduação?
Estefane Moraes: Acho que a pior dificuldade é a falta de representatividade, e bem sabemos que existem profissionais negros qualificados, principalmente mulheres negras. O despreparo institucional para tratar das leis que buscam a igualdade racial. E a preferência social da academia por acadêmicos brancos.

Não somos lascivas, não somos burras , nosso corpo por ser preto não merece ser violado. Precisamos coibir todo tipo de preconceitos e violências.

Estefane Moraes

07. CN. Qual é a sua opinião sobre os relacionamentos inter-raciais?
Estefane Moraes: Ao meu ver relacionamentos interraciais mesmo que fora da esfera amorosa-afetiva do relacionamento romântico hollywoodiano são problemáticos, as vivências de indivíduos brancos são diferentes das dos indivíduos não brancos, principalmente negros. A compreensão sobre a vida e o próprio lugar no mundo é diferente. São relações complexas que desgastam muitos os indivíduos, principalmente os negros que possuem vivências caracterizadas pelas opressões raciais. Opressões que indivíduos brancos produzem mesmo que involuntariamente e acham inofensivas. Existem muitos indivíduos brancos que não são racistas, mas não são antirracistas. E temos aqueles que são racistas implícitos que se relacionam com indivíduos negros com base em estereótipos sexuais falaciosos. É um longo debate que vale a reflexão daqueles que se relacionam interrracionalmente. Como fica a saúde física e mental? E a consciência racial? Vale passar por situações constrangedoras em uma área tão intima de sua vida?
Será que este indivíduo branco que se relaciona comigo percebe o seus privilégios, será que ele ficaria ao meu lado em situações que me ofendem ou que sejam contra a branquitude?

08. CN. Como surgiu sua paixão pela leitura?
Estefane Moraes: Desde criança a leitura foi uma parte fundamental na minha vida. Por ser uma criança negra e gorda eu  sofria muito bullying e racismo. Aquele episódio chegou a criança negra e gorda todas as brancas padrões se afastavam. Então, aliada a minha personalidade curiosa e ao hobbie extremamente gratificante, descobri na leitura um amor. Eu podia sempre descobrir e aprender coisas novas.

09. CN. Deixe um texto/poema que mais te marcou.
Estefane Moraes: Eu sou completamente apaixonada por alguns livros. Acho que seria uma lista de 10. Contudo tem um poema que eu mesma escrevi, que eu sinto muita força nele. E que hoje seria meu texto favorito.

Será que este indivíduo branco que se relaciona comigo percebe os seus privilégios, será que ele ficaria ao meu lado em situações que me ofendem ou que sejam contra a branquitude?

Estefane Moraes

Sim, sinhô.
Sim, sinhá.
A 500 anos “acatando” ordens.
Mudaram nossos nomes.

Abarrotaram nossas crenças.
Tentaram roubar nossa liberdade de fala e de existir. 
Tentaram nos acorrentar mentalmente com sua cultura excludente.
Tentaram nos acorrentar mentalmente com falácias ordinárias.

Tentaram nos separar.
Tentaram nos negar o direito a cidadania. 
Tentaram, tentaram, tentaram, tentam!
Lutamos, lutamos, lutemos, lutaremos!

Eu digo Zumbi.
Eles dizem, MENTIRA! 
Eu digo, Revolta dos Malês. 
Eles dizem, DESASTRE!

Digo, Almirante Negro.
Eles dizem, REVOLTADO !
Eu digo, Luís Gama.
Eles gritam, BALELA !

Eu digo, Luisa Mahin, Aqualtune, Dandara e Benguela.
Eles esbravejam, contos!
Eu digo, liberdade.
Eles arrulham, PRISAO!

Eu digo, viver. 
Eles dizem MORTE.
Eu digo, Genocídio .
Eles dizem, LIMPEZA !!

Conto minha historia,
Eles a queimam em BRASA.

Julho de 2020
Foto no estágio da DPGE/RJ : Julho de 2020.

10. CN. Qual é a dica que você deixa para quem quer ser um exímio(a) leitor(a)?
Estefane Moraes: Leia temas que te interessem.  Nenhuma leitura é fútil se te faz bem e distrai. Você nunca fecha um livro sem um aprendizado novo. Sejam palavras, emoções, gestos e viagens.

Não somos lascivas, não somos burras , nosso corpo por ser preto não merece ser violado. Precisamos coibir todo tipo de preconceitos e violências.

11. CN. Existe alguma coisa que você gostaria de dizer e que nunca lhe foi perguntado?
Estefane Moraes:   Tudo que eu tenho pra dizer acredito que não seja diferente da maioria das pessoas negras. As vezes nos sentimos muito sozinhos nas caminhadas e incompreendidas. Ser mulher negra e ativista as vezes é bem cansativo.

12. CN. Qual é a importância de participar de coletivos negros como o Clã da Negritude e ANAN?
Estefane Moraes: Acho que é se sentir acolhido, nos coletivos encontramos indivíduos que mesmo que não concordem 100% com o meu posicionamento, eles entendem o que é ser um individuo negro no mundo. É ter diversas visões de indivíduos múltiplos com vivências semelhantes. É tão amoroso, empático e libertador estar entre indivíduos negros. É saber que as suas experiências não serão silenciadas e invalidadas. Eu em emociono, pois estar em coletivos é sentir toda a fraternidade dos nossos.

(…) me entender como mulher negra veio a cada violência racial pelo meu cabelo, minha cor e meu nariz.

Estefane Moraes

13. CN. Cite três pessoas que são fontes de inspiração para você?
Estefane Moraes: Confesso que eu nem conheço as pessoas, mas toda mulher negra eu veio antes de mim me inspira. Ver mulheres negras mais velhas sempre me emociona por saber o árduo caminho que enfrentaram. Então todas as mulheres negras mais velhas que me rondam de alguma forma, saibam que vocês me inspiram. Fora isso, preciso citar   Conceição Evaristo, Lélia Gonzalez e Malcolm X.

14. CN. Quais são os sonhos e planos da Estefane Moraes Santos para o futuro?
Estefane Moraes: Escrever  2 livros, um de contos e poemas, e outro com crítica social. Ajudar o máximo de pessoas com a minha profissão. Virar Defensora Pública, precisamos de defensores que entendam o que é estar na pele das minorias. E ainda, seguir carreira acadêmica no mestrado e doutorado.  E ainda, não poderia deixar de ser otimista e lembrar que o todo o trabalho daqueles ativos socialmente será recompensando com uma sociedade menos preconceituosa e racista.                 
Que o corpo e mente de mulheres negras não será mais violado.

15. CN. Nos indique três livros que marcaram a sua vida?
Estefane Moraes: É muito difícil para mim indicar apenas 3.         

Quem me conhece sabe que eu estou sempre com uma carga na manga de livro, falou um tema eu tenho um livro. Jurooooo !! (risos). Enfim, em contexto histórico-social eu sempre indico Florestan Fernandes, com “O Negro no Mundo dos Brancos’’, indico a autobiografia de Malcolm X, eu sou super fã, e  Bell Hooks  “ Não sou eu uma mulher.” Tomando a liberdade de indicar uma autora, pois Lélia Gonzalez está sempre na minha lista.

Capa- 2020;

Entrevista concedida por Estafane Moraes ao Clã da Negritude. As perguntas foram feitas e respondidas por texto, formato virtual. 25 julho de 2022.

Lembrete: Os comentários não representam a opinião do Clã da Negritude; a responsabilidade é do autor da mensagem.

2 thoughts on “ESTEFANE MORAES DOS SANTOS

  1. Boa noite!
    Estefani foi estagiária na DPGE e sempre foi muito dedicada e envolvida em ajudar e contribuir por amenizar o sofrimento das pessoas que lá nos procuram. O seu esforço, talento e vontade de mudar certos conceitos impostos por uma sociedade “ultrapassada” a levará voar muito alto. Eu torço por ela. Parabéns!!!

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