FRATRICÍDIO COM 80 TIROS

Na semana passada os militares do exército que assassinaram o músico Evaldo dos Santos Rosa e o catador de latinhas Luciano Macedo foram julgados e condenados.  Ao todo, os militares atiraram 257 vezes contra uma família dentro de um automóvel já parado.

O primeiro crime da história da humanidade é um fratricídio, logo esse crime não deveria nos chocar. O que nos choca neste crime é que não foram 01 ou 02 tiros, 05 tiros, foram 257 tiros, 80 acertaram o alvo.

O pai da psicanalise, Zigmund Freud disse “Quando Pedro me fala sobre Paulo, sei mais de Pedro que de Paulo”, essa frase diz não somente o sentido próprio dela. Diz também que quando falamos do outro, existe algo de muito nosso naquilo. Em partes isto é óbvio, mas nem sempre nos damos conta, seguindo este raciocínio, o que esses 257 tiros nos quais 80 acertaram o alvo tem a nos dizer sobre os atiradores executores.

Esses atiradores não queriam apenas neutralizar, imobilizar ou até mesmo matar um homem. Estes 80 tiras certos nos dizem que eles queriam muito mais do que matar um homem, eles queria matar um povo, apagar uma história, destruir um legado, assombrar o futuro, a narrativa e, principalmente, ser aprovados no último teste, a prova de sangue, a fidelidade ao senhor, ao sistema.

Tudo isso e muito mais poderia ser extraído destes 257 disparos e 80 acertos, entretanto não pretendo me alongar neste pequeno discurso.

Continuando a olhar para os atiradores vejo que os únicos militares condenados são jovens e negros, isso muito me surpreendeu, é PRETO SACRIFICANDO PRETO, mas e os outros.

Desde o período da escravidão a estratégia é mesma, eles nos colocam para executar o serviço sujo, “nós contra nós”. Passaram-se mais de 133 anos e nada mudou,  nós estamos sacrificando o nosso próprio povo em nome de um capital que não nos pertence, da segurança que não temos, na ilusão de defender um status que não é nosso matamos nosso próprio povo. Tudo isso a mando de uma pseudo elite, branca, rica e racista.



Para ser um funcionário da casa você precisa provar que merece, passar pelo último teste que é cortar a própria carne sem dó nem piedade, esse é o preço da lavagem servida aos funcionários da casa.

O estado se utiliza das diversas fardas para nos exterminar, quer seja ela militar, jaleto, toga ou até mesmo a sacerdotal, todas são utilizadas para o mesmo fim, matar, escravizar, dominar, subjugar e exterminar a população negra.

Diariamente somos dados em sacrifício ao deus que é imaginado branco e, que a cada vida negra sacrificada aumenta dez vezes mais o poder e alegria dos seus filhos, abastecido pelo racismo da população branca que, mesmo que não se alegre, se beneficia do sangue negro derramado (leite derramado- Chico Buarque). Esse deus imaginado branco é tão perverso que se regozija apenas com o sangue derramado pela “fratri” negra. Não se trata apenas de domínio ou inveja do que temos. Ele é sádico.

Só iremos conseguir parar esta maquina de moer preto quando entendermos que, sub nenhuma circunstância se sacrifica um membro da família.

É cediço que aos seres humanos não foi dado poder para lutar contra um deus, mas podemos matar esse deus por inanição. Isso, a partir do momento que entendermos que, sub nenhuma circunstância se sacrifica em membro do próprio Clã. Apenas se agirmos assim conseguiremos neutralizar as forças malignas desse deus, estaremos o condenando a morte.

Neste momento nos cabe compreender e interromper o processo que se alimenta da ignorância que temos da nossa própria história, do mesmo “modus operand” do período escravagista que se aplica ao atual sistema brasileiro/mundial. Eles dizem que “as instituições estão funcionando normalmente” frase que nos leva a refletir sobre tudo que temos e o que não temos. Giorgio Agambem e Achille Mbembe já nos deram um spoiler do estaria por vir. No mercado capital Elza Soares disse que “a carne mais barata do mercado é a carne negra”. Temos artistas plásticos.

Passo importante nesta luta pela liberdade é o nosso aglutinamento em Clãs da Negritude e associações, nestes grupos o inconsciente coletivo conscientiza o indivíduo do seu papel no tempo e espaço (kairos e Chronos), tornando a guerra contra os desses algo possível e viável.

“I have a dream” (Martin Luther King Jr). é um chamado à liberdade. “Eles combinaram de nos matar, mas nós combinados de não morrer” (Conceição Evaristo). “Se uma pessoa pode mudar o mundo, imagine uma associação” (Estevão Silva), tantos outros textos e reflexões sagradas que devemos ter como mensagens divinas de libertação.

Esta é uma pequena reflexão em forma de parábola do sacrifício do povo negro, povo eleito a herdar a terra prometida (A promised land – Barack Obama) – By Estevão Silva.

Estevão Silva

Estevão Silva: advogado, jornalista e músico. Graduado em Direito pela UNESP, mestrando em Direito médico. Lançou o livro: “Vozes Emergentes: Educação e questões Étnicos Raciais” – 2016. Trabalho no escritório Estevão Silva Advogados Associados. Fundador e presidente da Associação Nacional da Advocacia Negra – ANAN, presidente da ONG: “Clã da Negritude”. Colunista da site Afropress, JurisRio. É advogado do “Instituto Cultural Filadélfia” e a da “Associação Internacional Islâmica para o Ensino do Alcorão e Sunnah no Brasil – Ummah Brasil”, da Associação Beneficente Islâmica Sunita de Botucatu e Região. É membro da Comissão do Advogado no Tribunal do Júri. Consultor e palestrante na área de discriminação e racismo, colunista da Afropress e outros sites do seguimento jurídico brasileiro.




2 thoughts on “FRATRICÍDIO COM 80 TIROS

  1. Excelente reflexão! Infelizmente, o principal inimigo do negro é o próprio negro.
    O auto-extermínio negro só denota qua a escravidão ainda está firme e forte e tudo que o negro deseja é sair da senzala e ser aceito na casa grande, não importa o preço que isto custe.

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