TOMA AQUI MEU CURRÍCULO: a petulância de lutar contra a morte em vida

Recentemente visitantes lotaram as exposições de Carolina Maria de Jesus, intelectual preta, arrimo de família, que utilizava a caneta como estratégia de existência e luta pela visibilidade. Seus escritos e história de vida comoveu o mundo, intelectuais e gênios da literatura emocionaram-se com a realidade escrachada naquelas duras linhas, muitos enxugavam seus olhos marejados com a mesma velocidade em que fecham os vidros de seus carros nos semáforos. Diante dessa incongruência, acompanho atônitas a política de bajulações por uma fatia do bolo, que instaurou a medição de competência por meio da influência nas infovias, e, como sempre…

(…) a preta que prepara o banquete, a mãe que balança o berço não é convidada para sentar-se a mesa.

Jacqueline Jaceguai

Em meio a tudo isso, busco o meu alento nas recordações que tenho das aulas com a professora Lucia Arrais Morales em que descrevia com riqueza de detalhes a Antropologia da Ciência, as aulas no período noturno com Marcos Tadeu Del Roio, Antonio Carlos Mazzeo, Paulo Cunha, Jair Pinheiro sobre Teoria política e me faziam chegar a Rússia, França, Alemanha em frações de segundos, a vontade em fazer pesquisas com Edemir Carvalho Mirian Simonetti, Célia Tolentino durante as aulas de Sociologia, aprendi sobre Racismo Estrutural com Dennis de Oliveira, Racismo Ambiental com Bernardino, relações raciais na América Latina com Mara Viveiros e ainda não consigo acreditar que diante disso ainda penso no famoso: “Que fazer?” – 1902.
Nestas mesmas reflexões, atravessam-me as pautas relacionadas ao abandono paterno (aquela cometida pelo rei Pelé ou plebeu Mané), a manutenção da vida na periferia ou universidade, construção de imagem (seja na quebrada ou nas redes sociais), palavras novas inseridas no diciolacres, além dos ataques negacionistas. Aprendi que ao comentar sobre esses assuntos escamosos corro o risco de rotularem-me como persona non grata, polemista, superficial ou ainda aquela que se auto odeia por não aceitar a égide do Cala boca neguinha!

Assim como Jesus, muitas mulheres pretas sabem como é a dor do ostracismo, o envio do Curriculum Vitae não funciona mais, ter uma trajetória de pesquisas, produção de textos, além da contribuição social e cientifica, tampouco. Será que as relações imediatistas detêm prestígios em detrimentos das trajetória e construção reflexiva para a conscientização política?
Desejo que os ministérios ao encontrarem Carolinas, transcendam o marejar dos olhos, o consternar do coração e entendam, de uma vez por todas, que cobramos a dívida por meio de reparação histórica e remunerações dignas, além de condições de trabalho adequadas a realidade das arrimo de família, possibilitando assim, a transcendência do limbo hipócrita colonialista a qual sempre fomos submetidas.


Jacqueline Jaceguai Chagas Nunes dos Santos;
Doutoranda em Mudança Social e Participação Política PROMUSPP pela Universidade de São Paulo (USP – EACH), doutoranda pela Pontifícia Universidad Javeriana Colômbia. Estudante de Ciências Sociales y Naturales. E-mail: jacjaceguai@usp.br

Lembrete: Os comentários não representam a opinião do Clã da Negritude; a responsabilidade é do autor da mensagem.

21 thoughts on “TOMA AQUI MEU CURRÍCULO: a petulância de lutar contra a morte em vida

  1. Excelente texto!! Nós mulheres negras sempre precisamos a custas de muitas coisas estar muitos passos à frente e mesmo assim quando conseguimos chegar perto colocam-se mais barreiras e muda-se o ponto de chegada. Mas seguimos juntas ✊🏾

  2. Li, releio, compartilho, nas redes. E sempre que houver a discriminação contra nós, mulheres pretas, principalmente no âmbito do trabalho, citarei, entre aspas, frases deste texto, além da sua autoria. Parabéns por me ajudar a tirar ese nó, que mais uma vez, se estabelece na minha garganta, dra. Jacqueline. Sou sua seguidora!🌻💜💪🏿🖤

  3. Parabéns pelo texto Jac. Já me deparei com várias vagas que eram “exclusivas para pessoas pretas ou pardas” ou até mesmo para “exclusivas para mulheres pretas”, como uma suposta forma de inclusão, mas que ao analisar o salário e a exigência de atividades, tinha uma remuneração muito abaixo do mercado. No final, muitos usam discursos inclusivos para disfarçar e perpetuar as desigualdes existentes. Parabéns novamente pelo texto e por sua garra e força de vontade, que é uma inspiração

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